quinta-feira, 30 de junho de 2022

Comentários Eleison: A Falência do Liberalismo

 

Por Dom Williamson

Número DCCLXXX (780) – 25 de junho de 2022

 

A FALÊNCIA DO LIBERALISMO

 

“Liberdade de”, talvez, mas liberdade para quê?

Não há um programa positivo de “liberdade de”.

 

No site da TFP há outro excelente artigo de John Horvat, publicado no mês passado, intitulado “As Liberalism crashes, where should we look for solutions? [Como o liberalismo está quebrando, onde devemos procurar por soluções?]”. Ora, estes "Comentários" não concordam com tudo o que aparece no site da TFP, assim como a TFP não concorda com tudo o que aparece nestes “Comentários”, mas os artigos de John Horvat mostram uma capacidade excepcional de relacionar um mundo sem Deus a Deus, porque toda a profundidade doutrinária da Igreja lhe permite captar o nosso cenário ímpio.

 

A modernidade apresenta o liberalismo como o início da história. Antes do liberalismo, afirmam os liberais, não havia nada além de ignorância e escuridão. Ao liberalismo se atribui todo o progresso e toda a segurança no mundo moderno. Assim, à medida que o liberalismo se quebra e desmorona, a maioria dos liberais exclui automaticamente o que o precedeu como possível solução.

 

No entanto, algo notável existia antes do liberalismo. Era a cristandade medieval. Essa civilização cristã transformou o Ocidente em um modelo de caridade e ordem. A cristandade pode não ter sido perfeita, mas reconheceu e trabalhou dentro dos limites da natureza humana decaída. Estava firmemente baseada na realidade, não na fantasia. A cristandade foi a primeira civilização a dar origem a hospitais e universidades. É responsável pelo governo representativo e pelo estado de direito. As artes e a música floresceram sob sua influência.

 

Quando o liberalismo surgiu do Iluminismo e dos horrores da Revolução Francesa, deu origem a um século de turbulência, industrialização em massa e materialismo. Os movimentos políticos liberais perseguiram a Igreja, cerceando sua liberdade e confiscando seus bens. Seus governos absorveram as funções caritativas da Igreja em suas frias burocracias.

 

O liberalismo secularizou e dessacralizou a sociedade ao estabelecer a ficção de viver em um mundo sem Deus. A modernidade pagou um alto preço por manter essa ficção. O sistema sem Deus deu lugar a guerras terríveis e ideologias antinaturais. Hoje, o liberalismo está falindo. Suas contradições internas estão destruindo todas as estruturas de ordem remanescentes. Não adianta mais olhar para o liberalismo quando se buscam soluções para a crise resultante. Ele só produzirá versões extremas de si mesmo. É muito melhor olhar para trás do liberalismo, e assim retornar às raízes e fontes da civilização cristã.

 

A civilização cristã nasce de um conjunto diferente de premissas. Trabalha com a natureza humana, não contra ela. O sistema conta com soluções orgânicas que se desenvolvem natural e espontaneamente dentro de uma ordem social orientada para o bem comum. Essa prática de subsidiariedade proporciona uma liberdade incrível, pois as unidades sociais buscam ajuda para suas necessidades e ajudam as demais em suas carências. Uma civilização cristã não é uma tirania de Deus, como afirmam os liberais. Em vez disso, as esferas temporal e espiritual se ocupam cada uma de suas respectivas atividades e áreas de responsabilidade. Quando pratica a virtude, tal sociedade pode prosperar econômica e politicamente, bem como ajudar a guiar as almas para a santificação e a salvação.

 

No entanto, muitos liberais preferem insistir que um homem pode ser uma mulher e uma mulher pode ser um homem, em vez de admitir a maravilhosa realidade da natureza humana tal como foi criada por Deus. Eles preferem perseguir uma fantasia delirante do que viver em liberdade ordenada seguindo a lei moral natural. A única saída para aqueles que ainda creem na verdade, na tradição e em Deus é abandonar a narrativa liberal e suas premissas erradas. Os fiéis devem buscar soluções fora da caixa liberal e retornar àquela verdade e beleza cristã – sempre antiga, sempre nova – que chama as almas.

 

Kyrie eleison.

sábado, 25 de junho de 2022

Comentários Eleison: Testemunho Sobre o Rosário

 

Por Dom Williamson

Número DCCLXXIX (779) – 18 de junho de 2022

 

TESTEMUNHO SOBRE O ROSÁRIO

 

Quantas almas o Rosário já salvou!

Com ele, o caminho para o Céu está seguramente pavimentado.

 

Nasci em 1958, e até 1988 vivi na minha Polônia natal. Foi quando emigrei para os EUA, e moro lá desde então. O início da minha devoção diária do Rosário começou no dia 5 de janeiro de 2009, na igreja administrada pelos Sacerdotes da FSSPX em Phoenix, quando eu, pela primeira vez em 38 anos, assisti à Missa de Todos os Tempos – e, desde aquele dia, a Missa Tridentina tem sido a única à que assisto. Quem rezou a Missa foi o Padre Burfitt, da FSSPX, um sacerdote dedicado que me ajudou significativamente no meu retorno a Deus.

 

Assim, meu Rosário diário começou com meu retorno à Missa Tridentina e à Tradição Católica. Era a época da Cruzada do Rosário que Dom Fellay dedicou à Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, e dela participei com entusiasmo. Quando a Cruzada terminou, simplesmente continuei com meu Rosário diário, que, devido à graça de Deus, tornou-se minha segunda natureza. Além disso, ao estudar intensamente a situação da Igreja, o papel do Concílio Vaticano II, algumas das últimas aparições de Nossa Senhora (La Salette, Fátima, Akita, etc.), e especialmente ao deparar com os insistentes pedidos dela para rezar diariamente o Rosário e cumprir a devoção dos Cinco Primeiros Sábados, percebi que, como católico, eu tinha que responder.

 

Em 30 de junho de 1877, em Gietrzwałd, em uma das raras aparições marianas aprovadas da Polônia, a primeira pergunta que fez Justyna, uma menina de treze anos, a Nossa Senhora foi: "O que você quer, Santa Maria?". A resposta que recebeu foi: "Quero que rezes o Rosário diariamente". Além disso, para nós poloneses, Nossa Senhora tem o título honorário de Rainha da Polônia – Ela é nossa Rainha! Como sempre o foi! Como então você pode recusar o pedido de sua Rainha? – Impossível!

 

Como então o Rosário diário mudou minha vida? Significativamente. Diria até que “mudou literalmente tudo”: minha agenda diária, minha forma de pensar, minha vida espiritual. As minhas prioridades mudaram, e o meu comportamento. Ora, o Santo Rosário tornou-se uma parte inseparável da minha vida, e a afeta de uma maneira que eu até então jamais teria imaginado. Dá-me paz interior, distância das coisas mundanas. Creio que me ajuda a controlar melhor meus vícios e minhas fraquezas. Ele dirige meus pensamentos, meus desejos, meus interesses para as coisas celestiais, para nosso último objetivo católico, que não é outro que o Céu. O que noto particularmente é que rezar o Rosário também me dá força no combate espiritual diário contra as tentações, contra todas aquelas coisas más que nos cercam em nosso mundo cada vez mais ímpio. Estou certo de que é Nossa Senhora, Medianeira de Todas as Graças, que me sustenta tão generosamente com as graças de que necessito.

 

Também houve algumas mudanças bastante dolorosas em minha vida causadas pelo meu retorno à verdadeira Missa e à Tradição, incluindo o Santo Rosário tradicional. É o fato de que alguns dos meus amigos católicos mais próximos e familiares não aceitaram esse meu retorno. Alguns deles até me chamam "cismático". No começo foi uma grande surpresa para mim, mas já me acostumei. Eu ainda tento fazer o meu melhor para influenciá-los pessoalmente com a verdade católica, mas confio muito mais em meios sobrenaturais como orações e sacrifícios, esperando que um dia eles caiam em si e retornem à Verdade.

 

Há três meses, meu filho mais velho me disse que depois de anos após deixar a Igreja, ele havia retornado, e agora está assistindo regularmente à Missa de Todos os Tempos. Que alegria me deu ao ouvir isso!

 

“Continue rezando”, digo a mim mesmo, “é só uma questão de tempo...”. Rainha do Santo Rosário, rogai por nós!

 

Kyrie eleison.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Comentários Eleison: Rerum Novarum - II

 

Por Dom Williamson

Número DCCLXXVIII (778) – 11 de junho de 2022

 

RERUM NOVARUM - II

 

Você quer cuidar dos homens? Não é necessário.

O Deus que os criou também fez a Igreja.

 

Como na Rerum Novarum, sua famosa Carta Encíclica aos Bispos Católicos de 1891, o Papa Leão XIII criticou o socialismo como sendo radicalmente oposto à natureza do homem dada por Deus (ver estes "Comentários" da semana passada), poder-se-ia pensar que ele não seria amigo das classes trabalhadoras cujos interesses o socialismo pretenderia proteger. Mas é o contrário. Há toda uma segunda parte da Encíclica na qual ele expõe a verdadeira solução dos problemas reais do final do século XIX, para os quais o socialismo era a falsa solução.

 

Como no século XXI nosso mundo ímpio continua a ser tentado pelo socialismo e comunismo dos globalistas em sua mesma guerra contra Deus, vamos dar uma olhada, ainda que brevemente, na verdadeira solução de Leão.

 

Ele diz que ela deve vir de três fontes. Em primeiro lugar, da Igreja Católica. Em segundo lugar, do estado público, que ele pede que desempenhe um papel especial na proteção dos trabalhadores. E, em terceiro lugar, das associações privadas de empresários e trabalhadores, que, segundo ele, também têm um papel precioso por desempenhar. Mas ele começa descartando para os problemas sociais todas as soluções irreais que pretendem eliminar ou as desigualdades naturais, obviamente inerentes a todos os homens, ou as penúrias antinaturais deste “vale de lágrimas”, que se devem ao pecado. Os católicos sabem que as desigualdades são naturais na Criação, para refletir a infinita variedade do Criador, e que o sofrimento, a morte e a concupiscência só irromperam nessa Criação pelo pecado original dos homens.

 

Portanto, a promoção pelo comunismo da luta de classes e da revolução contra toda autoridade não são naturais, mas antinaturais, e a Igreja será a primeira a criar a harmonia de classes e o respeito pela autoridade por seus próprios meios de justiça natural e caridade sobrenatural. Na justiça, os trabalhadores devem trabalhar e respeitar seus empregadores, e os empregadores devem respeitar seus trabalhadores e velar por seu bem-estar espiritual e físico, em particular pagando um salário justo que se determine não somente pelo que o empregador possa impor. Na visão caritativa da eternidade, a riqueza é mais um obstáculo do que uma ajuda para a salvação, de modo que os ricos devem compartilhar com os pobres, e os pobres não precisam invejar os ricos. Assim, a Fé mina ambos os erros opostos, o socialismo e o capitalismo duro, moderando o desejo excessivo dos homens por riquezas.

 

Quanto ao estado (RN 46), sua função primordial é salvaguardar o bem comum de todos os seus membros, e não apenas dos ricos. De fato, como os ricos muitas vezes podem cuidar de si mesmos, enquanto os pobres podem ter uma necessidade especial da proteção do governo, a condição miserável das classes trabalhadoras em 1891 significava que o estado deveria intervir em seu favor. As leis do país devem proteger sua moral, sua dignidade e suas condições de trabalho, com proteção especial para mulheres e crianças, e com um auxílio em relação à propriedade. Ali estava a Igreja Católica praticamente lançando o moderno Estado de Bem-Estar Social. Leão XIII foi inclusive bastante incompreendido em sua época, mas quarenta anos depois Pio XI aclamou o bem feito pela Rerum Novarum.

 

E em terceiro lugar, o Papa Leão pediu que se adotassem e fomentassem todos os tipos de associações privadas, como as guildas medievais, onde os homens podem unir-se não tanto horizontalmente na mesma classe, mas verticalmente por todas as classes na mesma ocupação, para evitar a guerra de classes. As associações cristãs desse tipo foram de especial benefício, mas em vez de ajudá-las, os estados antirreligiosos lhes impuseram obstáculos. Que se cuide especialmente do bem-estar religioso dos trabalhadores, mas que se os previna também contra o desemprego, a doença, a velhice, o infortúnio. Que o exemplo dos católicos converta os socialistas!

 

Com esta doutrina da Igreja, do estado e das associações que auxiliam os trabalhadores, o Papa demonstrou que condenava não só o socialismo, mas também aquele capitalismo liberal que, ao colocar a busca pelo dinheiro acima da preocupação com os seres humanos, tinha reduzido os trabalhadores a tais condições de miséria. Mas os globalistas voltam a cometer o mesmo erro grave. Eles poderiam aprender com o Papa Leão? Pode-se duvidar disto.

 

Kyrie Eleison.

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Comentários Eleison: Rerum Novarum - I

 

Por Dom Williamson

Número DCCLXXVII (777) – 4 de junho de 2022

 

RERUM NOVARUM - I

 

Os homens famintos por poder querem que reine o socialismo.

Assim, esses globalistas querem a dor universal.

 

Karl Marx não disse uma vez que o comunismo pode resumir-se em uma simples frase: “a abolição da propriedade privada”? E um supremo globalista, Klaus Schwab, não prometeu recentemente a todas as almas viventes que sob o globalismo elas “não possuirão nada, mas serão totalmente felizes”? E não significa isso que o Globalismo será essencialmente o comunismo em curso? Mas por que esse repúdio pela propriedade privada? Porque essas almas ímpias querem acabar com qualquer sociedade humana que ainda tenha alguma crença no Deus dos Dez Mandamentos ou respeito por ele: Sétimo, não roubarás; Décimo, nem mesmo desejarás roubar. Dois Mandamentos inteiros de dez, para estabelecer o princípio da propriedade privada entre os homens. A guerra moderna contra a propriedade privada é, entre outras coisas, a guerra do homem moderno contra Deus.

 

Defendendo os interesses de Deus Todo-Poderoso, a Igreja Católica defende a propriedade privada contra todos os socialistas, comunistas, globalistas e outros inimigos da sociedade humana que querem destruí-la. Um notável defensor da propriedade privada foi o Papa Leão XIII (1878-1903) em sua famosa Encíclica Rerum Novarum, de 1891. Como os globalistas ímpios estão ameaçando agora mesmo derrubar toda a sociedade humana com seu "Reset", vamos dar uma olhada na defesa deste Papa do princípio da propriedade privada.

 

A propriedade privada, diz ele (RN 8), é um direito natural do homem, cuja abolição é injusta e prejudica tanto os trabalhadores como os proprietários, e tanto os estados como os governos. Isto é assim porque só o homem é um animal racional entre os demais animais, ou brutos. Assim, todos os animais devem alimentar-se, mas enquanto Deus pensa adiantadamente e provê a alimentação dos animais brutos, Ele dá aos homens uma mente para pensar adiantadamente em seu próprio futuro. Isso significa que enquanto os animais brutos se limitam a utilizar as coisas, o homem as utilizará e também as tomará em sua posse. Mas somente a terra pode suprir suas necessidades futuras recorrentes. Portanto, o homem é de uma natureza tal que toma a terra em sua posse – em outras palavras, tem um direito natural à propriedade.

 

À objeção de que o estado pode prover a todos os homens que se encontram nele, Leão XIII responde (RN 13) com outro princípio fundamental: o de que o indivíduo é anterior ao estado (porque para que exista um estado, os indivíduos já existentes devem reunir-se). E à objeção de que Deus dá a terra à humanidade em comum, ou seja, que dá toda a terra a toda a humanidade (RN 14) e não apenas a este ou aquele proprietário, Leão responde que, embora seja verdade que Deus oferece a terra para que sirva a todos e seja propriedade de qualquer um, no entanto, qualquer parte particular dela deve ser possuída por alguém. Caso contrário, as lutas seriam intermináveis, de modo que, como Klaus Schwab sabe muito bem, o estado teria que intervir para exercer o controle supremo.

 

Ademais (RN 15), um homem está definitivamente mais motivado para trabalhar no que é de sua propriedade, e o suor de seu rosto marca e entra em sua propriedade de tal modo que privá-lo da propriedade é privá-lo de motivação para trabalhar nela e defraudá-lo do fruto do seu trabalho. O homem se apega à sua terra naturalmente. Tanto o socialismo quanto o globalismo o desarraigam para poder controlá-lo melhor.

 

O direito natural do indivíduo à propriedade é ainda reforçado por suas obrigações familiares naturais (RN 18). Assim como a paternidade é um direito natural que faz do indivíduo chefe de uma família, a família é de uma natureza que estende o direito de propriedade, seja, por exemplo, para alimentar toda a família no presente, ou como legado aos filhos para o futuro deles. Tampouco pode ou deve o estado prover (exceto em caso de dificuldades especiais das famílias), porque os filhos entram em uma sociedade ou em um estado somente através de uma família, e assim a família pré-existente tem direitos e deveres anteriores aos do estado.

 

O sensato Papa conclui (RN 22) que o socialismo fará estragos na sociedade com a agitação, a inveja, a pobreza, a miséria universal e a escravidão. Mas veja na próxima semana o que Leão diz que o estado deve fazer.

 

Kyrie Eleison.