quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Comentários Eleison: ROSÁRIO ARMADO?

 

Por Dom Williamson

Número DCCXCII (793) – 24 de setembro de 2022

 

ROSÁRIO ARMADO?

 

Deus não é servido por lutas meramente humanas,

Mas somente pelo afã de servir aos Seus direitos.

 

Na véspera da festa da Assunção, apareceu na revista “Atlantic”, publicada nos EUA, um artigo que causou algum rebuliço ao associar o Rosário a uma violência e a um terrorismo de direita. Escrito por um tal Daniel Palleton, residente em Toronto, Canadá, foi intitulado: “Como a cultura armamentista extremista está tentando cooptar o Rosário”, e teve como subtítulo: “Por que as contas sacramentais aparecem de repente ao lado de AR-15’s na Internet?” (O fuzil do tipo AR-15 é um fuzil popular leve semiautomático). Segue um resumo dos 13 parágrafos do artigo de Panneton.

 

1 Os católicos Rad-Trad (ou seja, radicais-tradicionalistas) estão transformando o Rosário em uma arma de violência.

 

2 Exibem-no na Internet em suas páginas nas redes sociais, onde têm milhares de seguidores.

 

3 Assim, associado à violência e ao racismo da extrema direita, o Rosário prepara o terrorismo do mundo real.

 

4 De fato, o Rosário há muito está associado à luta da Igreja Militante contra seus inimigos.

 

5 No catolicismo convencional, o Rosário não é uma ameaça, mas os católicos radicais não são convencionais.

 

6 Eles são masculinistas com mentalidade de milícia, que jogam jogos de guerra,

 

7 com sua própria indústria artesanal de serviços e bens à venda, incluindo “Rosários de combate”.

 

8 Têm fantasias masculinas de recorrer à violência em defesa de suas famílias ou igrejas.

 

9 Os nacionalistas cristãos, que antes desconfiavam deles, agora os aceitam cada vez mais.

 

10 De fato, os Rad-trads e os nacionalistas cristãos estão compartilhando um ideal de “violência justa”.

 

11 Pode ser que esses dois lados ainda estejam divididos em questões de doutrina e religião,

 

12 mas podem envolver-se e se envolvem em causas comuns, como, por exemplo, sua homofobia e sua hostilidade em relação ao aborto.

 

13 Os Rad-Trads têm o dever de amar e perdoar, mas hoje eles estão transformando o Santo Rosário em uma arma de violência e guerra física.

 

O único ponto que Panneton acerta é que há uma enorme guerra acontecendo entre combatentes de “esquerda” e de “direita” em todo o mundo. É uma guerra imensa, porque para ambos os lados se trata de uma cruzada sagrada. Isso porque é de fato uma guerra a favor ou contra Deus. Em razão de Deus Todo-Poderoso ser hoje tão amplamente desprezado e desacreditado, os “esquerdistas” normais podem não compreender que sua luta mesma é uma cruzada para destruir os últimos restos da cristandade, mas a cruzada é para isso. Quanto aos “direitistas”, eles estarão prejudicando sua própria cruzada para defender ou preservar a decência pós-cristã se não a basearem em Deus, que é a força fundamental deles. Um exemplo notável é sua luta contra o aborto. Se esses direitistas continuarem preferindo ficar sem Deus, sua revogação de “Roe v. Wade” será revertida mais uma vez. Compartilhar a despreocupação dos “esquerdistas” em relação a Deus certamente não faz com que muitos “direitistas” sejam melhores do que eles.

 

Portanto, se o Rosário sempre foi realmente um grande meio de defesa da cristandade, como em 1571 em Lepanto, em 1683 em Viena, em 1955 na Áustria, é porque é muito centrado em Deus, em Nosso Senhor e Nossa Senhora. Somente se os guerreiros do Rosário de hoje estiverem realmente afastando-se de Deus para lutar contra os esquerdistas com as armas usadas pelos esquerdistas para lutar contra Deus, Panneton tem razão. Mas se aqueles que rezam o Rosário se esquecem dos direitistas ou dos esquerdistas quando o utilizam para preencher-se com os interesses de Deus, então, seguramente, mais uma vez o Rosário poderá salvar a cristandade.

 

Kyrie eleison.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Comentários Eleison: DEUS É EGOÍSTA?

 

 Por Dom Williamson

Número DCCXCII (792) – 17 de setembro de 2022

 

DEUS É EGOÍSTA?

 

Se o amor não for dado livremente, há algo errado.

Deus quer que sejamos livres para optar, ou não, por Sua bem-aventurança.

 

Um leitor escreveu-nos trazendo uma objeção à bondade de Deus, que sabe ser falsa, mas que, no entanto, o perturba, e para a qual ele não encontrou durante muito tempo uma resposta que o satisfizesse. Eis o problema:

 

1 Ordenar a alguém: “Ama-me, ou estourarei os seus miolos”, tanto é egoísmo, porque é egocêntrico, como ridículo, porque as ameaças não podem produzir o amor verdadeiro.

 

2 Mas Deus diz exatamente isso quando diz às Suas criaturas humanas: “Se vocês não Me amam, vão para o inferno”.

 

3 Portanto, Deus é egoísta e ridículo (é Satanás quem diz isto).

 

Para responder a essa objeção ao amor de Deus, vejamos primeiramente qual é a verdade sobre o que Deus diz às Suas criaturas humanas quando, criando Ele mesmo suas almas imortais e infundindo-as nos corpos materiais formados pelo pai e pela mãe humanos de cada uma delas, Ele traz os seres humanos à existência: “Meu querido filho, ao dar-te vida e livre-arbítrio, quero que faças uso de tua vida na terra para que, quando morreres, tenhas merecido compartilhar Minha felicidade eterna comigo em Meu Céu. Mas não vou forçar-te a vir para o Meu Céu, porque se eu te forçasse, faria de ti um robô, e os robôs não podem desfrutar do Meu Céu. Deixar-te-ei inteiramente livre para não vir ao Meu Céu se não quiseres fazê-lo. Escolher o inferno será uma decisão totalmente tua.

 

Ora, é verdade que influências poderosas como o mundo, a carne e o diabo farão o possível para que tu prefiras o Inferno ao Céu, e é verdade que a maioria dos homens a quem dou a vida acaba preferindo o Inferno ao Céu; mas em todos os casos isso terá sido tua própria e livre escolha, e eu não te forçarei a escolher o Inferno mais do que forço qualquer um a escolher o Céu. E note que quanto mais maléficas forem as influências a que aqueles que forem salvos terão resistido para preferir o Meu Céu, tanto mais glorioso e feliz será o Céu para eles. Assim, o mal tem um propósito e, embora eu não o queira, eu o permito, precisamente para que possa fazê-lo servir à bem-aventurança eterna daqueles que recusam o mal.

 

E se me objetas que no mundo moderno a confusão e o mal são avassaladores e são fortes demais para que muitas almas possam resistir, eu te respondo que sempre que o mal se torna realmente muito grande, como no tempo de Noé (que seguiu resistindo a ele), posso intervir, como fiz com o Dilúvio. De fato, o Dilúvio salvou para a eternidade muitas almas que, de outra forma, teriam cedido à corrupção, e por isso foi um grande ato de Minha Misericórdia. Em pleno século XXI, esperem que Eu lhes dê um grande Aviso, anunciado notavelmente pelas quatro meninas de Garabandal, na Espanha, nos anos 60. Será de grande ajuda contra toda a confusão para a salvação através de Jesus Cristo, mas somente se as próprias almas escolherem livremente que querem ser salvas.

 

Agora apliquemos essas verdades às três proposições da objeção original anterior.

 

1 Dizer a alguém “Ama-me ou te matarei” é egoísmo se aquele que diz isso o faz principalmente para ser amado. Mas Deus, em Si mesmo, está em bem-aventurança absoluta e imutável. Somente externamente a Si mesmo Ele ganha algo pelas almas que compartilham Sua bem-aventurança. Essa bem-aventurança Ele deseja para elas principalmente pelo bem delas mesmas, não para Si mesmo. Então, não há egoísmo, e tampouco Deus é ridículo. É claro que Ele não quer um amor forçado. Ele nos deixa totalmente livres para amá-Lo, ou não.

 

2 É verdade que se não amarmos a Deus como deveríamos, de modo a morrermos em estado de pecado mortal, teremos merecido o Inferno. Mas uma vez no Inferno, grande parte da tortura será ver com a maior clareza com que facilidade eu poderia ter salvado minha alma, com toda a ajuda e todas as graças que Deus me deu em minha vida na terra. Mas livremente escolhi não querer Sua ajuda, e por isso o que estou sofrendo agora é totalmente culpa minha.

 

3 Portanto, Deus não está de maneira nenhuma dizendo: “Ame-me, ou estourarei os seus miolos”. Ele não é egoísta nem ridículo.

 

Kyrie eleison.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Comentários Eleison: A REALIDADE DE AQUINO

 

Por Dom Williamson

Número DCCXCI (791) – 10 de setembro de 2022

 

A REALIDADE DE AQUINO

 

Leia Tomás de Aquino no original em latim.

O maior curador de mentes que se pode imaginar!

 

Em um único artigo de sua sensata Summa Theologiae (I, 85, 2), Santo Tomás de Aquino refutou, com cerca de 500 anos de antecedência, o absurdo de Kant e de seus numerosos seguidores nos tempos modernos, que afirmam que nossas mentes humanas só conseguem conhecer as aparências das coisas que nos rodeiam. Segundo Kant, os seres humanos não podemos conhecer a realidade das coisas no sentido de como elas realmente são por trás de suas aparências. A coisa como ela é em si mesma, em alemão “das Ding an sich”, é absolutamente incognoscível para nós. Nesse caso, cabe perguntar-se: como podemos ao menos saber que existe alguma “Ding an sich” por trás das aparências das coisas? De fato, os seguidores de Kant não prestaram mais atenção a nenhuma suposta realidade em si mesma, ou realidade extramental, e a “filosofia” moderna entrou para a Alice no País das Maravilhas do sorriso do Gato de Cheshire que continua na árvore depois que este já desapareceu. Adeus, realidade. Bem-vinda, literalmente, qualquer fantasia imaginável!

 

O Aquinate tem dois argumentos sensatos para atirar o pobre Kant para fora do ringue. Por exemplo, vejo um cavalo em um prado. Ora, o cavalo obviamente não está dentro da minha cabeça, mas tão somente uma representação do cavalo. Ora, é essa representação do cavalo pela qual eu conheço o cavalo, como uma janela sobre o cavalo mesmo, de modo que o próprio cavalo seja o que eu conheço; ou é essa representação mesma o que eu conheço, como uma pintura do cavalo que retrata o cavalo, mas não me dá nenhuma visão do próprio cavalo? Para o Aquinate, as representações em nossa mente são como janelas para a realidade fora de nossas mentes. Para Kant, elas são como pinturas por trás ou além das quais não podemos ver nada. Para o Aquinate, elas são por meio das quais conhecemos, para Kant são o que conhecemos.

 

Primeiro argumento de Aquino: se conhecemos somente o sorriso do gato e não o próprio gato, por assim dizer, como podemos ter algum conhecimento ou ciência dos gatos ou de qualquer realidade extramental? Não há mais ciência nem conhecimento da realidade fora de nossas mentes. Mas se não conhecemos nada fora de nossas mentes, mas apenas nossas próprias representações, dentro de nossas mentes, então é o fim de qualquer conhecimento da realidade, e o fim da ciência. É claro! Muitos “cientistas” contemporâneos terminam perdendo o controle da realidade de sua própria “ciência”, porque, como quase todo o mundo de hoje, eles permitiram que o kantismo corrompesse seu juízo.

 

Segundo argumento: se conhecêssemos apenas as representações em nossas mentes, então toda representação seria verdadeira, porque a verdade consiste na conformidade entre nossas mentes e a realidade fora delas. Mas se não pudéssemos conhecer nada além de nossas próprias representações, não teríamos acesso a nenhuma realidade exterior para poder dizer se nossas representações se conformam ou não a ela. Assim, todos os juízos de nossas mentes baseados em nossas próprias representações se tornariam verdadeiros, porque estariam em conformidade com eles mesmos. Assim, Paulo poderia julgar que o mel é amargo enquanto Pedro poderia julgar que é doce, e ambos estariam com a razão! Nenhum deles teria acesso a qualquer realidade objetiva além de suas próprias representações para resolver o choque de suas opiniões contraditórias. Aqui morre a lei da não-contradição, aqui morre a possibilidade de discussão, aqui morre todo pensamento objetivo, e aqui nasce a “filosofia” moderna.

 

E, chegando ao auge da objetividade, o Aquinate continua no mesmo Artigo explicando que, na vida real, a forma mesma do objeto fora de nossas mentes, que dá a esse objeto sua existência, é o que também in-forma nossas mentes, dando a nossas mentes a existência mesma de seus pensamentos. Em outras palavras, nossas mentes não só são capazes de captar a realidade extramental, mas também são incapazes de funcionar sem ela (pelo menos na origem de seu pensamento). Portanto, a própria base do pensamento humano deve ser objetiva, e a essa base (na medida em que é cognoscível) se pode recorrer para dirimir qualquer choque de opiniões subjetivas; e a lei na realidade objetiva da não-contradição – nada pode ser e não ser no mesmo sentido e ao mesmo tempo – é também a base do nosso pensamento. Assim, nossas representações da realidade são enfaticamente janelas que apresentam fielmente a realidade fora de nossas mentes, e não pinturas que bloqueiam nossa visão de qualquer realidade além ou por trás delas, como pretende o abominável Kant, para a ruína de qualquer captação da realidade e de qualquer pensamento objetivo.

 

Kyrie eleison.

sábado, 3 de setembro de 2022

Comentários Eleison: O QUE É REALIDADE? – II

 

Por Dom Williamson

Número DCCXC (3 de Setembro de 2022)

 

O QUE É REALIDADE? – II

 

Deus abençoe os professores que ensinam tal como vivem,
Que não produzem ideias estúpidas.

 

O que estes “Comentários” sugeriram fortemente na semana passada é que, a julgar pelo que é a realidade, o senso comum é muito superior aos chamados cientistas e intelectuais. Quanto aos “cientistas”, isto se deve ao fato de as suas mentes estarem, normalmente, confinadas à matéria, ou às coisas materiais. Das coisas espirituais ou “invisíveis”, como diz o Credo Niceno, a maior parte de suas mentes não tem nem ideia. Isso faz com que sejam maus juízes da realidade na parte mais elevada desta. Quanto aos “intelectuais”, a maior parte de suas mentes está aprisionada por Kant (1724-1804), rei virtual dos departamentos de filosofia das “universidades” modernas, que fazem questão de desprezar o senso comum. Isso porque o nosso senso comum pode ser definido como a nossa compreensão natural, e dada por Deus, das realidades que nos rodeiam entre o nascimento e a morte; e especialmente desde o final do século XVIII, o homem tem feito guerra a Deus e à natureza. É por isso que, hoje, o senso comum está sendo constantemente varrido da mente dos homens pelos seus supostos líderes, de modo que, por exemplo, os homens devem ser femininos e as mulheres devem ser masculinas, e as crianças devem mudar de sexo.

No entanto, como pode o que o homem comum ainda tem de bom senso fazer frente aos estudos e ao saber dos “filósofos”? Não seria como se um time de futebol amador quisesse derrotar um time de profissionais? Normalmente, assim como os profissionais de qualquer esporte derrotarão facilmente os amadores, os homens comuns seguirão seus líderes, e aquele que pretender seguir o seu bom senso na sociedade atual será facilmente persuadido de que está errado. Contudo, Aristóteles (384-322 a.C.), um filósofo verdadeiramente grande por sua análise da realidade ainda hoje em grande parte válida, disse uma vez dos seus colegas: “Não há estupidez que já não tenha sido exposta por algum filósofo”. Assim, quando se trata dos princípios filosóficos da vida, os profissionais nem sempre têm razão.

Distingamos dois significados da palavra “filosofia”. Pode significar a atividade intelectual de homens que pensam, estudam, leem e escrevem livros frequentemente nas universidades, ou seja, os filósofos profissionais. Ou a filosofia de um homem pode significar os princípios pelos quais, consciente ou inconscientemente, ele vive, e uma vez que nenhum homem pode existir sem ter alguns desses princípios para viver, então, neste segundo sentido, alguma filosofia pertence a todo o homem vivente, amador ou profissional. 

Ora, esses dois sentidos não são iguais. No primeiro sentido, se um filósofo está a escrever um livro, pode estar a fazê-lo por uma variedade de motivos que não o de analisar a realidade. Pode estar escrevendo filosofia para ganhar a vida, ou para ganhar dinheiro, ou para tornar-se famoso, e assim por diante. E, nesse caso, pode ou não acreditar no que está a escrever, pode estar escrevendo o que sabe ser um disparate, muito distante do que sabe ser real. Em todo caso, quer que as pessoas o levem a sério, pelo que deve, pelo menos, fazê-las pensar que está a escrever o que acredita ser real. Logo, posso não saber se ele está sendo verdadeiro ou não.

Assim, se eu quiser saber o que o filósofo profissional realmente pensa, recorrerei ao segundo sentido da palavra, e em vez de ouvir o que ele diz, ou apenas ler o que ele escreve, observarei como ele vive, porque isso me dirá o que ele realmente pensa. Eis, naturalmente, a razão pela qual o exemplo pessoal é muito mais revelador e persuasivo do que meras palavras. Se o Arcebispo Lefebvre fez tantos bons sacerdotes, foi, sobretudo, pelo seu próprio exemplo. Assim, se eu quiser saber o que um determinado filósofo efetivamente pensa ser a realidade, observarei as suas ações em vez de ouvir as suas palavras.

Finalmente, chegamos a esses “filósofos” que ensinam, seguindo Kant, que a mente humana não pode conhecer o que está por detrás das aparências das coisas. Como é que eles agem? Será que vivem como se não soubessem o que é a água para lavar ou o café para beber? É claro que não. Como poderia Kant ter caminhado todas as manhãs para a Universidade de Königsberg se não soubesse a diferença entre uma porta e uma parede, entre uma escada e uma cadeira? Nunca poderia ter vivido se tivesse levado a sério as suas próprias estupidezes. A enorme vantagem de Santo Tomás de Aquino é que o seu sistema corresponde ao senso comum. O “Doutor Comum” de Deus corresponde ao sentido comum dado por Deus.

Kyrie eleison.