Por Dom Williamson
Número DCCCXXXII (832) – 24 de junho de 2022
SOLZHENITSYN APLICADO
A boa arte constrói valores
naturais na alma,
O que é de grande ajuda para seu
objetivo sobrenatural.
Na
semana passada, nestes “Comentários”, Solzhenitsyn argumentava que as artes
mostram o que está acontecendo com a alma dos homens; que as artes modernas
revelam um vazio espiritual nas almas modernas; e que esse vazio espiritual não
é um bom prenúncio para o homem em nenhum momento. O próprio Solzhenitsyn não era
católico; na verdade, em sua juventude, ele estava sem Deus. Mas oito anos de
sofrimento nos campos de prisioneiros comunistas o ensinaram que existe um
Deus, que lhe deu uma vida espiritual e uma visão da realidade que faltam a
muitas almas, secas sob o comunismo no Oriente, mas também ressecadas no
Ocidente por séculos de racionalismo e materialismo (isso inclui muitos
“católicos” – pensemos no Vaticano II). Apliquemos algumas das lições de
Solzhenitsyn às nossas próprias vidas.
Em
primeiro lugar, nosso desprezo pelas artes: um exemplo disso é como todos os
jornais publicam poesia hoje em dia como se fosse prosa (os materialistas não
gostam da poesia, que está sempre sugerindo que a vida é algo mais do que somente
prosa). Mas pela natureza que Deus nos deu, os homens temos, além de nossos
corpos materiais, uma alma imaterial que responde a histórias, músicas,
pinturas e esculturas, e precisa delas. Essas “artes” são os produtos mais
elevados e espirituais dos homens dotados para escrever histórias, tocar música
ou criar pinturas ou esculturas. Eis por que eles mesmos e seu público costumam
dizer que os “artistas” estão, em seu melhor momento, “inspirados”; por que os
ateus dificilmente podem produzir verdadeiras “artes”; e por que os maiores
“artistas” e as maiores “artes” dos últimos tempos podem invariavelmente ser
rastreados até a cristandade, como percebeu Sir Kenneth Clark (1903–1983). Ora,
no exercício de sua arte, qualquer artista normalmente se esforça para
compartilhar algo importante para ele. É por isso que as artes são uma boa
indicação do conteúdo da alma dos homens, e é por isso que as histórias, as músicas
ou as pinturas populares manifestam a vida espiritual de um povo.
Por
isso os católicos nunca devem subestimar, como estão sujeitos a fazer sob a
pressão do desprezo moderno pelas artes, o valor e a importância das histórias,
da música e das artes visuais. Solzhenitsyn está certo ao afirmar que as
histórias sem sentido de hoje, a música estridente e as feias artes visuais atuais
refletem o grande mal que está presente nas almas modernas. Ele lê nelas o resplendor
ardente, ou a perdição, da chamada “civilização ocidental”. Compara com a
grande ópera de Wagner, Crepúsculo dos Deuses (1876), na qual toda uma ordem
mundial, o Valhalla dos deuses, desaba em chamas no palco. No entanto, para os
pais modernos geralmente pouco importa que tipo de música seus filhos ouvem.
Nem mesmo dão a devida atenção ao tipo de música de que eles mesmos gostam.
Portanto, os “músicos” do rock são livres para roubar desses pais o afeto dos
filhos, assim como o flautista de Hamlin roubou com sua música os filhos do
povo de Hamlin. Os pais podem perceber tarde demais o mau exemplo que deram aos
filhos ao ouvirem eles mesmos lixo se passando por “música”. Opa! Mas como
alguém se atreve a chamar música de “lixo”? Porque é isso que a música moderna em
grande parte, vazia de valor ou interesse melódico, harmônico ou rítmico, é.
Porque se a música não edifica, está fadada a corromper. Por sua própria
potência, ela não pode não fazer uma coisa ou outra.
Ora,
há um limite para a música que alguém pode forçar-se a gostar. Se eu tenho uma
alma em estado de “lixo”, não posso gostar de música decente da noite para o
dia. Por outro lado, não posso amar nada do que não tenho conhecimento. Então,
o mínimo que posso fazer para elevar minha alma é conhecer uma música melhor. A
melhor música é o canto gregoriano. Em seguida vem a polifonia, e depois a
música clássica. O mais baixo de tudo é a música moderna: jazz, pop, rock e
rap, nessa ordem decrescente. Por que? Porque “A melodia”, disse Mozart, “é a
alma da música”. O canto gregoriano é pura melodia, e no rap não há melodia. Em
algum ponto crucial dessa escada descendente está o músico clássico Beethoven
(1770-1827), que combina, de forma única, a ordem do século XVIII com a paixão
do século XIX. Por um lado, é por alguns momentos muito colérico e violento
para agradar às almas tranquilas. Por outro lado, não é tão calmo a ponto de
dizer pouco ou nada aos jovens modernos, que estão muito agitados para poder suportar
muita ordem.
Mas
para quem quer que deseje entrar no mundo da música clássica, uma introdução
maravilhosa pode ser o filme da BBC de 2003, Beethoven’s Eroica. O filme
é uma reconstrução da primeira apresentação da Sinfonia “Eroica” no palácio
particular de um aristocrata vienense em 1804. Vemos a variedade de reações
humanas a esta música que marcou uma época, algo novo naquele tempo: a senhora
da casa se emociona ao ouvir a carga de cavalaria; sua empregada doméstica,
alternadamente ouvindo e flertando; um general tcheco desconcertado com a
extensão e a originalidade da sinfonia, mas profundamente comovido apesar de si
mesmo; o famoso compositor Joseph Haydn compreendendo plenamente que uma nova era
na música havia chegado; e assim por diante. O filme apresenta muito bem tanto
esse contexto humano como o marco histórico da Terceira Sinfonia, com a
Revolução ao seu redor. Ele, que é fortemente recomendado, pode ser facilmente
acessado em https://www.youtube.com/watch?v=UtA7m3viB70.
Kyrie
eleison.